A culpa é um sentimento básico da humanidade. Um sentimento denso,
pesado e tóxico, que pode se manifestar de duas formas: uma é projetando nossos
infortúnios em algum bode expiatório, ou é se voltando contra nós mesmos.
A culpa é uma frustração causada pela distância entre o que
não fomos e uma imagem criada pelo ego daquilo que achamos que deveríamos ter
sido.
Ela aprisiona o indivíduo, que se mantém voltado para o
passado e a um papel de vítima dos outros e das circunstâncias. E ficar preso
dessa forma significa nunca progredir, mantendo-se atados a sentimentos de
raiva, angústia e vingança, chegando até a depressão.
Além disso, a culpa é um sentimento de extrema arrogância.
Ele se baseia em princípios egóicos de uma moral preestabelecida. Onde nos
achamos donos da verdade, a ponto de querer definir o que é certo e errado.
A culpa faz com que o indivíduo se submeta a uma punição
para tentar se esquivar de sofrer uma punição ainda mais severa por causa do
erro que cometeu, mantendo o indivíduo preso.
Na culpa, há uma resistência em aceitar a realidade das
coisas e da situação. E infelizmente as religiões judaico-cristãs reforçam o
sentimento de culpa com seus dogmas aprisionantes.
Entretanto, nos ensinamentos de Cristo vemos algo
completamente diferente. E neles pode estar a chave para transformar a culpa
paralisante em algo produtivo, pois Cristo não fala em culpa, mas sim em
arrependimento. E esses dois termos possuem uma diferença significativa.
A palavra arrependimento é de origem grega (μετάνοια,
metanóia) e significa conversão (tanto espiritual, como intelectual).
No arrependimento, há uma mudança de direção. O indivíduo
agora resolve ter uma atitude oposta à anterior.
Ou seja, no arrependimento está contida uma ação baseada em
uma reflexão anterior. É uma ampliação de consciência que leva o indivíduo a buscar
novos caminhos e aprendizados.
Além disso, a culpa sempre sucede uma transgressão.
Transgressão significa a ação humana de atravessar, exceder,
ultrapassar as noções que pressupõem a existência de uma norma que estabelece e
demarca limites.
Em toda atividade criativa humana há transgressão.
Psicologicamente, o indivíduo que transgride busca a superação de si mesmo na
ruptura com o mundo que o cerca. Aquilo que não serve mais, que aprisiona que
mantém infantilizado deve ser transgredido.
Ao longo da história, temos vários exemplos de transgressão
de normas vigentes em sua época. Exemplos revolucionários como Galileu Galilei
e o próprio Cristo.
Cada um, ao buscar, ao inventar, ao tentar o novo, incorre
em transgressão. E com ela vem a culpa.
Portanto devemos de transgredir a própria culpa se não
quisermos ficar paralisados. Não que a partir de hoje não devamos mais
distinguir o que é certo e errado. Na verdade devemos criar uma ética interna
baseado na experiência, provinda de uma reflexão profunda.
Aceitar que vamos falhar e errar, que nada é perfeito. Que
bem e mal podem ser relativos, pois para o inconsciente não há certo e errado,
ele é totalidade.
Aceitar que todas as situações que experienciamos em nossa
vida são aprendizados. Devemos perder o medo do fracasso, pois sem ele não há a
vitória. Só assim podemos transmutar a culpa aprisionante em uma experiência de
arrependimento que amplie a nossa consciência e nos traga uma ética que
transcende normas externas.
Hellen Mourão
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