Temos muitas feridas. Imensas feridas. Muitas delas se
formaram na infância. Outras, foram herdadas através da família. É importante
entender que aprendemos a carregar a dor e sofrimento dos nossos pais e
antepassados - mas também as vitórias, as conquistas, dons e habilidades. E
repetimos os padrões programados em nosso DNA, que chegam até nós advindos de
incontáveis gerações ancestrais. Iremos repetir aqueles padrões que mais fazem
sentido para o nosso aprendizado nesta existência... seremos convocados a
realizar as lições - muitas delas difíceis, árduas - que não foram cumpridas no
passado familiar, e para isso, receberemos toda a energia e recursos que também
chegam até nós através dos esforços dos nossos pais e antepassados. Perceba que
estou falando de lições espirituais e recursos energéticos - por isso, você só
entenderá suas lições e os dons que possui quando olhar para dentro da sua
alma, sentindo seu coração, indo além dos seus pensamentos comuns e
condicionados.
Quem sabe você já tenha herdado um sistema adequado para
lidar com os baques da vida? Talvez você já consiga estar bem com suas dores e
sofrimento. E até consegue tirar um barato deles. Já percebe que você "não
é o sofrimento". Não se identifica mais com este "eu sofredor".
Você não finge que não tem problemas e que nada irá derrubá-lo. Ao contrário,
possui um enorme respeito pelo destino, pela vida e pela morte, e por isso,
valoriza todos os momentos: tanto os de alegria, quanto os de tristeza.
Porém, também é possível que você, em alguns momentos, não
consiga lidar com o sofrimento. Uma separação, uma perda financeira, uma
doença, uma agressão que ocorre próximo a você... ou ainda: seus próprios
pensamentos confusos e emoções distorcidas... Isso quer dizer que você ainda
está "rodando" um programa viciado no sofrimento. É também um padrão
herdado do seu sistema familiar.
Nos momentos que nos sentimos conectados com o lado interno
poderoso, que sabe lidar com os sofrimentos de forma adequada, é justamente o
momento em que nos sentimos cheios de "crédito". Os evangélicos
costumam dizer: ungidos pelo Senhor. Católicos dizem: abençoados. Na língua
ioruba, cheios de axé. Ou um coach diria: poderoso, repleto de recursos
pessoais. Este é o momento que, se nosso coração estiver minimamente aberto
para o outro, sentiremos o natural impulso de dar. Damos, porque sabemos que temos
o que dar. Damos o que? Dinheiro. Carinho. Sorrisos. Cuidados. Alegria. Beleza.
Criatividade. Cura. Conhecimento. Tudo, dádivas do universo, bênçãos que
devolvem a vida ao outro ser humano, que também auxiliam uma pessoa a transpor
suas próprias provas. Ou seja, quando damos, nos tornamos instrumentos de
auxílio na jornada que o outro necessita para transpor as lições que lhe foram
deixadas pelo sistema familiar.
Dar é uma arte ativa e consciente: é necessário saber
quando, para quem e quanto dar. O ato de dar parte do coração, e não de uma
emoção de dor: desta forma, quando olhamos uma planta num terreno arenoso e
estéril, entendemos que o calor e a falta de umidade é o melhor que podemos dar
a ela. O dar leva em conta um contexto mais amplo, além da própria visão
individual que normalmente estamos condicionados a perceber.
Mas nem sempre estamos em condições de dar. Às vezes,
fraquejamos. Somos derrubados pelas vicissitudes da vida. São os momentos em
que chegam as provas mais difíceis, onde vários dos nossos antepassados
sucumbiram. E não importa a aparente gravidade da situação ou não. Para uns,
uma prova difícil é encarar um câncer terminal. Para outros, buscar um novo
emprego. Ainda para outros, deixar uma relação afetiva complicada. Não sabemos
o que há por detrás destas situações, mas percebemos o quanto somos impotentes
para modificar nosso estado. O quanto nos esforçamos e parece que não melhora.
Talvez você tenha uma situação em sua vida onde, por mais que faça, não
consegue resolver. Você terá realmente que fazer todos e os seus melhores
esforços. E mesmo assim, não alcançar os resultados desejados. Este é o momento
de se abrir para receber.
Se dar é uma arte ativa e consciente, receber é um estado
passivo, de consciente impotência e sutil esperança. Saber receber é também um
ato profundo de humildade. E não estou dizendo cara de coitadinho, voz baixa e
olhar tristonho. Saber receber requer força. Enorme força, onde nossa mente irá
reconhecer sua total impotência para resolver uma questão. Aquela questão que
mais lhe atormenta. E então, ela se entrega. Vejo pessoas lutando anos e anos
contra determinada situação, mas sempre diz: ainda vou vencer! Esta pessoa não
está espiritualmente aberta para o aprendizado, porque está combatendo a lição.
Ela olha a prova com raiva e querendo eliminá-la. Mas na escola da vida, o
supremo professor enviará a mesma prova diversas vezes, vidas e vidas, gerações
e gerações, se for necessário. Alguém da família precisará olhar para a prova,
com amor, sem combate. Com a esperança de paz.
E chega o momento. Você resolve olhar. Passivamente.
Humildemente. Após ter feito todos os melhores esforços. Sem resultados. Ok,
você está pronto para receber. E assim, Deus envia alguém. Um amigo. Um irmão.
Pronto para dar.
E assim a grande dança do universo, a purificação do
espírito, vai ocorrendo. Ora dando, ora recebendo. Ora ativo, ora passivo.
Aprendendo a olhar com gratidão e reverência a alegria e o sofrimento.
Alex Possato
Constelações Sistêmicas
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