Dalai
Lama
Gostaria
de explicar qual é a importância do amor e da compaixão. É importante saber o
que é compaixão, algumas vezes pensamos que é pena, mas isso não é compaixão.
Compaixão é o senso de preocupação, mas mais do que isso, é a noção clara de
que todos os seres têm exatamente o mesmo direito à felicidade. Essa compreensão
é que nos traz a compaixão.
Também um
outro aspecto que costuma ser confundido com compaixão é a sensação de
proximidade, de ligação que temos com amigos e parentes. Mas isso não é
compaixão verdadeira, porque esse sentimento está ligado ao apego.
Muitas
vezes, nosso senso de preocupação com o outro depende da atitude que ele adota.
Se a pessoa age de forma negativa, nosso senso de compaixão desaparece. Mas um
senso de compaixão verdadeiro é o que nos leva a ver o outro como tendo
exatamente o mesmo direito que eu à felicidade. A compaixão que se assenta no
apego não se sustenta. A que se baseia na compreensão da igualdade de todos os
seres é desprovida de apego, e é verdadeira.
Qual é o
benefício da compaixão? Ela nos traz força interior. Geralmente, temos um senso
de "eu, eu, eu". E nossa mente centra tudo em nós mesmos. Então,
todas as experiências negativas, mesmo pequenas, se tornam muito dolorosas,
enormes. Mas quando pensamos nos outros, nossa mente se amplia, e os nossos
pequenos problemas se tornam realmente pequenos, e as coisas negativas não
prejudicam nossa mente.
Alguns,
quando experimentam tragédias que são involuntárias, se sentem enterrados em
uma montanha de sofrimento. Mas, por outro lado, quando se pensa
voluntariamente nos problemas dos outros, se procura alivia-los de seus
sofrimentos, essa atitude voluntária traz uma abertura para o ser. Dessa
maneira, mesmo em meio a problemas pessoais, isso traz uma base de clareza, e a
pessoa será capaz de se sustentar.
COMPAIXÃO
E BEM-ESTAR — Quando se pensa em compaixão por outras pessoas, alguns perguntam
se isso não seria sinônimo de auto-sacrifício. Não, não é. Porque não se deve
ser negligente em relação a si mesmo. E, baseado na minha própria experiência,
acredito que se deve ser compassivo em benefício próprio.
Um
exemplo: uma vida feliz precisa de amigos, apoio. Há amigos do dinheiro, amigos
do poder, mas para esses indivíduos, se o dinheiro acaba ou o poder se vai, a
amizade também acaba. Mas os amigos verdadeiros ficam.
Então,
como criar amigos verdadeiros? Se você tiver um sentimento de compaixão, terá
mais amigos verdadeiros. Mostre sentimentos gentis e sorria, e terá bons
amigos. Porque essa atmosfera pacífica será a sua base, que irá criar as
condições para a amizade.
A prática
de compaixão também é imensamente benéfica para a saúde. De acordo com a
medicina, os que tem mais compaixão, são mais interessados pelos outros,
geralmente são mais saudáveis quando comparados com pessoas egoístas. Os
egoístas sofrem mais freqüentemente de enfartes e outras doenças.
A mente
mais egoísta, mais voltada para si mesma é muito ruim para a saúde. A mente
mais compassiva, mais voltada para o próximo traz mais tranqüilidade,
resultando por isso em saúde muito melhor.
Vejamos a
sociedade atual, em que a criminalidade está crescendo, ligada à problemas
econômicos e sociais, como a diferença entre ricos e pobres (inclusive entre
países ricos e pobres). No nosso sistema educacional, muita atenção é dada ao
desenvolvimento do intelecto, e menor atenção é dada ao coração, aos
sentimentos. Pois isso é considerado tarefa da religião. E assim as crianças
não recebem nenhuma orientação sobre como serem mais compassivas, e desenvolver
um coração mais generoso. Mas a compaixão é tão importante para a sociedade que
é incentivada por todas as religiões.
AS
RELIGIÕES E A COMPAIXÃO — Por causa das diferenças filosóficas entre as grandes
religiões existem diferentes técnicas para desenvolver a compaixão e algumas
diferenças da definição do que seja. Mas basicamente todas elas falam da
necessidade de se cultivar a compaixão.
Portanto,
sinto que mesmo neste século, as maiores tradições religiosas têm um papel
importante no desenvolvimento dessas qualidades. Vejo aqui pessoas de
diferentes tradições religiosas, o que me faz sentir feliz, porque a tolerância
religiosa é muito importante. E acredito que, independente de diferentes
tradições religiosas, todos temos o potencial de ajudar a humanidade.
Vim do
Oriente e sou um monge budista, assim, naturalmente, quando falo desses valores
e do treinamento da mente, o faço da minha perspectiva de monge budista. Mas é
claro que não quero influenciá-los. Vocês devem manter suas tradições
religiosas, mudar de religião não é bom, pode gerar mais confusão do que
benefício. Portanto, mantenham e sigam sua fé.
Cada uma
das grandes religiões tem coisas únicas, mas também há muita coisa em comum
entre elas. Assim, é sábio usar técnicas úteis de outras religiões, mesmo sem
mudar de religião. Até para aplicá-las na própria religião. Com isso, as
tradições religiosas diferentes desenvolvem respeito mútuo e compreensão. Isso
é fundamental.
A
compaixão e a bondade são indispensáveis. Sem esses valores não há felicidade.
Mas muitos crêem que a prática de valores como a compaixão, o perdão e o amor
são relevantes apenas para os que praticam uma religião. Isso não é verdadeiro.
Podemos ver que no passado e presente existiram pessoas que mesmo sem nenhuma
fé religiosa tinham esse sentimento de cometimento, de responsabilidade, de
compaixão pelo próximo. Essas pessoas se tornaram mais felizes, mais úteis,
mais benéficas para a sociedade.
A
UNIVERSALIDADE DA COMPAIXÃO — Podemos questionar se o valor da compaixão, de um
coração compassivo é universal. Eu acredito que todos os seres humanos têm o
mesmo potencial. Basicamente, o ser humano é voltado para a vida e comunidade.
Assim, a semente da compaixão está lá, a semente do trabalho em conjunto está
lá. É da natureza humana trabalhar em conjunto. O individualista não pode
sobreviver.
As
abelhas também são animais sociais. Não há polícia, não há um estado, no
entanto trabalham em conjunto. Uma abelha não pode ser individualista. Mas,
diferentemente dos outros animais sociais, o ser humano tem a capacidade de se
votar ao altruísmo ilimitado. Temos a semente da compaixão dentro de nós. Todos
nós.
Quando
vemos os benefícios de uma mente compassiva, e o mal de uma mente não
compassiva, é fácil ver a diferença. Então, voluntariamente iremos analisar
cada vez mais, mudar cada vez mais a nossa atitude. E assim, dia após dia,
mudamos.
O
treinamento da mente não pode ser imposto a ninguém. É preciso que nós mesmos
vejamos os benefícios. Pense sobre o que o ódio traz para sua vida, para sua
saúde, para as pessoas que estão à sua volta. Pense sobre a compaixão e o que
traz. E assim, teremos o ímpeto de cultivar certos valores, e rejeitar outros.
Dessa maneira
crescemos a cada dia, mas se não fazemos nada para reduzir nosso ódio e
cultivar a compaixão tudo ficará como está, a semente nunca irá germinar.
Normalmente
nossos problemas nascem de percebermos apenas o nível das aparências, e não a
realidade. Ficamos no nível das aparências, e com base nelas fazemos o nosso
julgamento. Também nos concentramos na felicidade de curto prazo, e não na de
longo prazo.
O
seminário foi realizado em Curitiba, no teatro Ópera de Arame, nos dias 5 e 6
de abril de 1999.
Tradução
do tibetano para o inglês do monge LHAKDOR.
Tradução
do inglês para o português de MANOEL VIDAL.
http://www.humaniversidade.com.br
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