quinta-feira, 30 de junho de 2016

O MEDO DA SOLIDÃO E DESAMPARO É O QUE ACREDITAMOS SER AMOR



Vocês sabem o que é o amor? Vocês amam seus pais, seus irmãos, seus professores, seus amigos? Sabem o que quer dizer amar? Quando dizem que amam seus pais, o que é que significa isso? Vocês se sentem seguros com eles, sentem-se à vontade com eles. Seus pais os estão protegendo, eles lhes dão dinheiro, abrigo, alimento e roupas, e vocês têm, com respeito a eles, uma sensação de relação íntima, não é verdade? Vocês também sentem que podem confiar neles — ou talvez não. Provavelmente vocês não falam com eles tão fácil e alegremente como o fazem com seus amigos. Mas os respeitam, são guiados por eles, obedecendo-lhes, sentindo que deverão apoiá-los quando eles forem velhos. Eles, por sua vez, os amam, desejam protegê-los, guiá-los, ajudá-los — ao menos assim o dizem. Eles desejam fazê-los casar para que levem uma chamada vida moral e fiquem fora de problemas, para terem um marido que cuide de vocês, ou uma esposa que cozinhe para vocês e que crie seus filhos. Isso tudo se chama amor, não é?

Não podemos dizer de imediato que é o amor, porque o amor não é facilmente explicável por meio de palavras. Isso não nos vem facilmente. Entretanto, sem amor, a vida é estéril; sem amor, as árvores, os pássaros, o sorriso dos homens e das mulheres, a ponte do rio, o barqueiro e os animais não têm sentido. Sem amor, a vida é como um lago vazio. Num rio profundo há riqueza e muitos peixes podem viver; mas o charco é logo seco pelo forte calor do Sol, e nada resta, salvo, lama e sujeira.

Para a maioria de nós, o amor é uma coisa extraordinariamente difícil de entender porque nossas vidas são muito vazias. Queremos ser amados, e também queremos amar, e por trás dessa palavra há um medo oculto. Então, não será importante para cada um de nós descobrir o que é realmente essa coisa extraordinária? E só podemos descobrir isto se tivermos consciência de como consideramos os outros seres humanos, de como olhamos para as árvores, para os animais, para um estranho, para o faminto. Temos que ter consciência de como encaramos nossos amigos, de como consideramos nosso guru, se tivermos um, de como consideramos nossos pais.

Quando vocês dizem, "Amo meu pai e minha mãe, amo meu guardião, meu professor", o que isto significa? Quando vocês respeitam alguém tremendamente, e o consideram, quando acham que devem obedecer-lhes e esse alguém, por sua vez, espera obediência de vocês, será isso amor? O amor será apreensivo? Certamente, quando vocês consideram muito a alguém, também desconsideram muito alguma outra pessoa, não é? E será isso amor? No amor haverá alguma sensação de consideração ou desprezo, alguma compulsão para obedecer os outros?

Quando vocês dizem que amam alguém, não dependem interiormente dessa pessoa? Enquanto forem crianças, naturalmente dependeram de seus pais, de sua professora, de seus guardiões. Eles precisam cuidar de vocês, alimentá-los, vesti-los e abrigá-los. Vocês precisam ter a sensação de segurança, a sensação de que alguém está cuidando de vocês.

Mas o que acontece geralmente? À medida que vocês crescem, essa sensação de dependência continua a existir, não é verdade? Já não a observaram em pessoas mais velhas, em seus pais e professores? Notaram como eles ainda dependem emocionalmente de suas esposas ou maridos, de seus filhos ou de seus próprios pais? Quando cresce, a maioria das pessoas ainda continua apegada a alguém; continua a ser dependente. Se não tiverem alguém em que se apoiar, que lhes dê a sensação de conforto e segurança, as pessoas se sentem sós, não é assim? Elas se sentem perdidas. Essa dependência que temos em relação aos outros é chamada de amor; mas se vocês observarem isso de perto, verão que dependência é medo, e não amor.

A maioria de nós tem medo de ficar só; tem medo de pensar por si, medo de sentir profundamente, de explorar e descobrir todo o significado da vida. Por isso essas pessoas dizem que amam a Deus, e elas dependem daquilo que chamam Deus; mas não é Deus, o desconhecido, é algo criado pela mente.

Fazemos o mesmo com um ideal ou uma crença. Acredito em alguma coisa, ou entrego-me a um ideal, e isso me dá grande conforto; mas removam o ideal, removam a crença e eu estarei perdido. Ocorre o mesmo com o guru. Eu dependo porque quero receber, é então que há a dor do medo. É também isso o que ocorre quando vocês dependem dos pais ou dos professores. É natural e é certo que isso ocorra quando vocês são jovens; mas se continuarem dependendo depois de maduros, isso os tornará incapazes de pensar, de ser livres. Onde há dependência há medo, e onde há medo há autoridade, não amor. Quando seus pais dizem que vocês precisam obedecer, que devem seguir determinada tradição, que devem apenas aceitar um certo emprego ou só desempenhar uma certa qualidade de trabalho — em nada disso há amor. E não há amor em seus corações quando vocês dependem da sociedade no sentido de aceitarem a estrutura da sociedade tal qual ela é, sem discutir.

Homens e mulheres ambiciosos não sabem o que é o amor — e nós somos dominados por pessoas ambiciosas. Eis aí porque não há felicidade no mundo e porque é muito importante que vocês, à medida que crescem, vejam e compreendam tudo isto, e percebam por si mesmos se é possível descobrir o que é o amor. Vocês podem ter uma boa posição, uma casa excelente, um maravilhoso jardim, roupas; podem tornar-se primeiros-ministros; mas, sem amor, nenhuma dessas coisas terá sentido algum.

Portanto, devem começar a descobrir agora — não esperar até serem velhos, porque então nunca descobrirão — o que é que realmente sentem em seus relacionamentos com seus pais, com seus professores, com o guru. Vocês não podem meramente aceitar a palavra "amor" ou qualquer outra palavra, mas devem ir além do sentido das palavras para ver o que é a realidade — sendo a realidade aquilo que realmente se sente e não o que se supõe sentir. Se vocês efetivamente se sentem ciumentos, ou irados, dizer "não devo ser ciumento, não devo me irar" é meramente um desejo, não tem realidade. O que importa é ver, com muita honestidade e clareza, o que é que estão sentindo no momento, sem trazer à baila o ideal de como deveriam sentir ou como sentirão em data futura, pois poderão então fazer algo a respeito. Mas dizer: "Eu devo amar meus pais, devo amar meus professores" não faz sentido, faz? Porque seus verdadeiros sentimentos são muito diferentes, e essas palavras se tornam uma cortina atrás da qual vocês se escondem.

(...) O que importa é ir além da palavra "amor" para ver se vocês realmente amam seus pais e se seus pais os amam realmente. Sem dúvida, se vocês e seus pais realmente se amassem, o mundo seria inteiramente diferente. Não haveria guerras, não haveria fome, não haveria diferença de classes. Não haveria ricos e pobres. Vejam bem, sem amor nós procuramos reformar a sociedade economicamente, tentamos corrigir as coisas; mas enquanto não tivermos amor em nossos corações não poderemos criar uma estrutura social livre de conflito e de miséria. Aí está por que temos de esmiuçar essas coisas cuidadosamente; e, talvez, então, venhamos a descobrir o que é o amor.

Krishnamurti em,  O VERDADEIRO OBJETIVO DA VIDA


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