Um ato tão simples e aparentemente tão praticado: o
olhar-se no espelho. Você já parou frente ao espelho e se dispôs a se olhar
verdadeiramente? Olhar dentro de seus próprios olhos e fixar-se sem se sentir
perturbado, ficar olhando para si mesmo e permitir que seus sentimentos
aflorem, sem julgamentos, sem críticas, apenas olhar?
Pois tenho observado que isso é muito pouco
praticado. É muito raro. O olhar-se no espelho é para ver se a mecha de cabelo
está no lugar querido, se a roupa está combinando e sem vincos desnecessários,
enfim, observar coisas ao nosso redor, mas não a nós mesmos.
Olhar-se no espelho para se ver refletido aos
próprios olhos, por incrível que pareça para a maioria das pessoas é muito
"pesado". Mirar em seus próprios olhos é como penetrar em sua alma e
ter revelado tudo que lá possa estar.
Em momentos que, como terapeutas, pedimos ao
cliente que se observe frente a um espelho e perceba o que está sentindo, o
relato é de que "não tive tempo"; "não lembrei"; "me
senti meio bobo"; e alguns poucos dizem: "senti uma ansiedade muito
forte"; "não consegui ficar me olhando"; "parece que uma
vergonha tomou conta de mim". Um forte constrangimento se manifesta.
Interessante que todos se colocam como quem está
buscando o autoconhecimento. Se o autoconhecimento é o perceber-se como
realmente se é, então, não é contraditório o fato de se ter dificuldades em se
olhar, começando pelo concreto, o reflexo de sua imagem física?
Exatamente. O espelho é apenas o reflexo do que se
coloca frente a ele.
E quando nos vemos refletidos sem a distorção da
verbalização, sem a condição de justificativas e explicações, então nos
assustamos. Há um grande medo pelo que poderemos ver. Daí a famosa frase
"ver sem enxergar".
Quando alguém se coloca frente ao espelho, e se
fixa em sua própria imagem, está se abrindo para começar a se enxergar como
realmente é.
Ao "entrar" em seus próprios olhos é o vasculhar de sua
vida interior, mexendo em sua existência interna, deslumbrando sentimentos e
emoções adormecidas da consciência, mas não do próprio ser.
Experiências já não
lembradas, mas atuantes e marcantes, agindo em nossas ações, sem que se dê a
elas o mérito.
Em academias, pessoas passam até horas a se
admirarem frente aos espelhos. Elas dirão que esse artigo não faz sentido. Pois
peço apenas que parem de olhar para seus músculos, suas coxas, cinturas e olhem
diretamente para seus olhos. Fixem-se neles. Entrem dentro de si mesmos. Não
precisam me dizer nada, apenas tirem suas conclusões.
Muitas vezes, o terapeuta é apenas um espelho onde
o cliente obtém através de suas colocações (do terapeuta) o reflexo do que está
apresentando a ele, mas nem sempre o cliente aceita o que lhe é mostrado como
algo seu.
Freud apresentou a projeção como um dos mecanismos
de defesa. O indivíduo vê no outro aquilo que, de fato, é seu. Apenas não
identifica isso como tal. Façam um exercício de analisarem verdadeiramente o
que os leva a se sentirem tão incomodados com alguns comportamentos do outro e,
sem prevenções, poderão identificar que o que está irritando tanto vocês são
características suas que estão sendo vistas no outro.
Olhar dentro dos próprios olhos é penetrar por um
portal onde só você (e algumas raras pessoas) pode fazê-lo. Lembram-se de
pessoas que quando as olham parecem que a estão desnudando? Alguns as descrevem
"como se estivessem entrando na gente".
Todos dizem querer se transformar. Mudar, lógico,
para melhor. Pois façam o exercício diário: arrumem um espelho, mais ou menos
de trinta centímetros de largura por quarenta centímetros de comprimento,
sentem-se frente a ele por uns cinco minutos, em silêncio e olhando para dentro
de seus olhos. Deixem suas mentes soltas. Façam em um local calmo e sem ninguém
a observá-los, caso contrário, se sentirão expostos e não se permitirão atingir
a soltura necessária. Repitam isso diariamente. Apenas cinco minutos diários.
Não há desculpas, pois elas apenas fazem parte dos bloqueios que nos impedem de
nos enxergarmos.
Após alguns dias, observem-se como estão,
comparem-se ao antes do exercício.
Paulo Salvio Antolini