"A vida é uma oportunidade. Você pode usá-la, pode
abusar dela, ou simplesmente desperdiçá-la. Excetuando você mesmo, ninguém será
responsável. A responsabilidade é do indivíduo.
Quando você compreende isso, começa a ficar alerta,
ciente. E começa a viver de uma maneira totalmente diferente. Então, na
verdade, pela primeira vez você está vivo.
Do contrário, as pessoas vivem numa espécie de sonho
- meio adormecidas, meio despertas - em algum lugar entre a vigília e a semi-vigília. Essa vida não é realmente
vida. Você existe, mas não vive.
A existência lhe é dada. A existência é um dom. A
vida tem que ser merecida. Quando a existência se volta para si mesma, ela se
torna vida. A existência foi dada pelo todo; você nada fez para merecê-la. Ela
simplesmente está lá, um fato consumado. Quando a existência se torna vida...no
momento em que você começa a existir de uma forma consciente, a existência se
torna vida.
A existência vivida conscientemente é vida;
A vida é um grande desafio, uma aventura no
desconhecido, uma aventura dentro de você mesmo, uma aventura naquilo que
existe. Se você vive uma vida inconsciente, se você apenas vive, sempre terá
medo da morte. A morte estará sempre por perto daquele que chega, rondando-o.
Só a vida vai além da morte.
A existência vem e vai. Ela lhe é dada, depois
tirada. É uma onda no oceano...levanta-se, recua, desaparece. Mas a vida é
eterna. Quando você a tem, você a tem para sempre. A vida não conhece morte. A
vida não tem medo da morte. Quando você sabe o que é a vida, a morte
desaparece.
Se você ainda tem medo da morte, saiba disto: ainda
não conheceu a vida. A morte só existe na ignorância do que é a vida. Vai-se
vivendo, vai-se passando de um momento a outro, de uma ação a outra,
completamente alheio ao que está realmente fazendo, por que se está fazendo e
por que se vai à deriva deste para aquele ponto. Se você se tornar um pouco
mais meditativo, muitas vezes no dia você perceberá que está à deriva,
completamente inconsciente.
Todo o esforço da religião é fazer você ciente da sua
existência; A existência somada à percepção é a vida eterna - aquilo que Jesus
chama de vida em abundância, aquilo que Jesus chama de reino de Deus. Esse
reino de Deus está dentro de você. Você já tem a semente dentro de você. Só
precisa deixá-la germinar. Precisa deixá-la expor-se ao mundo ensolarado do
céu, ficar livre, mover-se para o alto, para cada vez mais alto, tocar o
próprio infinito. É possível voar alto - mas o essencial é a percepção; (...)
Uma falácia continua presente, e ela é a seguinte:
como você existe, você acha que sabe quem é. Na verdade, você sente que existe,
mas não sabe quem é. Só um sentimento confuso, um sentimento misto, um
sentimento sombrio sobre quem você é, não é suficiente. Deveria ser um
sentimento cristalino. Deveria se tornar uma luz inextinguível dentro de você.
Só assim você fica sabendo o que é o homem.
Em sânscrito usamos a palavra purusha para 'homem'.
Essa palavra é incrívelmente bela. É difícil traduzi-la porque ela tem três
significados. Pode ser pronunciada com três diferentes ênfases.
A palavra é purusha. Pode ser pronunciada como por u
sha, significando nesse caso 'o alvorecer na cidade....aquele que é cheio de
luz'. Também pode ser pronunciada como puru sha, significando 'cheio de
sabedoria e eterna felicidade... um cidadão do céu'. Pode ser pronunciada
também como pu rusha, significando 'aquele cujas paixões são purificadas e que
se tornou imortal'.
Há muitas possibilidades dentro de você, camada sobre
camada. A primeira camada é a do corpo. Se você se identifica com o corpo, está
se identificando com o temporal, com o momentâneo. Então, certamente haverá o
medo da morte.
O corpo se encontra num fluxo, como um rio -
continuamente mudando, passando. Ele nada tem do eterno. A cada momento, o
corpo está mudando. Na verdade o corpo está morrendo a cada momento. Não
significa que após setenta anos, subitamente um dia, você morre. O corpo morre
todos os dias. A morte se estende por setenta anos, é um processo. A morte não
é um evento, é um processo longo. Pouco a pouco, pouco a pouco o corpo chega a
um ponto em que não pode mais segurar. Ele se desintegra.
Se você se identifica com o corpo, claro que haverá
um medo constante de que a morte esteja se aproximando. Você pode viver, mas só
viverá com medo. E que tipo de vida é possível quado as frustrações de seu ser
estão constantemente abaladas? E quando você está sentado num vulcão e a morte
é possível a qualquer momento? E só uma coisa é certa: a morte está chegando -
tudo o mais é incerto.
Como você pode viver? Como pode celebrar? Como pode
dançar e cantar e existir? Impossível. A morte não deixará você fazer isso. A
morte é terrível e muito próxima.
Depois, há a segunda camada dentro de você: a da
mente - que é ainda mais temporal e passageira que o corpo. A mente também está
continuamente se desintegrando. A mente é a parte interna do corpo, e o corpo é
a parte externa da mente. Eles não são duas coisas. Mente e corpo não é uma
expressão correta. A expressão correta é mente-corpo. Você é psicossomático.
Não é que o corpo exista e que a mente exita. O corpo é a mente bruta, e a
mente é o corpo sutil...aspectos da mesma moeda.
Assim, há pessoas que se identificam com o corpo. São
os indivíduos materialistas. Eles não conseguem viver. Tentam desesperadamente
, claro, mas não conseguem. O materialista só finge que está vivendo; não
consegue viver. Sua vida não pode ser muito profunda; só pode ser superficial,
vazia - porque ele está tentando viver através do corpo, que está morrendo
continuamente. Ele está vivendo numa casa em chamas. Está tentando descansar
numa cama em chamas. Como se pode descansar assim? Como se pode amar? (...)
E existe outro tipo de indivíduo, que é o idealista -
aquele que se identifica com a mente, com as ideias, com as ideologias, com os
ideais. Ele vive num mundo muito efêmero, em nada melhor que o materialista.
Claro, mais satisfatório para o ego, porque ele pode condenar o materialista.
Ele fala sobre Deus, fala sobre a alma, fala sobre as religiões e sobre coisas
grandiosas. Ele fala sobre o outro mundo, mas é só conversa. Ele vive na mente:
continuamente pensando, ponderando, brincando com ideias e palavras. Ele cria
utopias da mente, grandes e lindos sonhos - mas ele também está desperdiçando a
oportunidade. Porque a oportunidade é aqui e agora, e ele sempre pensa em outro
lugar.
A palavra utopia é bela. Significa 'aquilo que nunca
se realiza'. Ele pensa em algo que nunca vai se realizar. Ele vive em outro
lugar. Ele vive numa dicotomia, num dualismo. Com grande tensão, ele existe. Os
políticos, os revolucionários...todos vivem uma vida identificada com a mente.
E a vida real fica além do corpo e da mente. Você
está no corpo, você está na mente, mas você não é nenhum dos dois. O corpo é
sua casca exterior; e a mente é sua casca interior, mas você é mais do que os
dois.
Esse é o insight da vida real. Como começar esse
insight? É disso que se trata a meditação. Comece a testemunhar. Enquanto anda
na rua, seja uma testemunha. Observe o corpo andando... e de seu mais profundo
íntimo, comece a olhar, testemunhar, observar. De repente, você terá uma
sensação de liberdade. De repente, você verá que o corpo está andando, não é
você que está andando.
Ás vezes o corpo está saudável, às vezes está doente.
Observe, apenas observe, e de repente você terá a sensação de uma qualidade
totalmente diferente de ser. Você não é o corpo. O corpo está doente, claro,
mas você não está. O corpo está saudável, mas nada tem a ver com você.
Você é uma testemunha, um observador nas colinas ...
bem distante. Claro, atrelado ao corpo, mas não identificado com o corpo;
enraizado no corpo, mas sempre além dele e transcendendo-o.
A primeira meditação consiste em separar-se do corpo.
E aos poucos, quando sua observação do corpo se torna mais aguçada, comece a
observar os pensamentos que continuamente lhe passam pela mente; Mas primeiro
observe o corpo; como ele é obviamente visível, pode ser observado mais
facilmente, não será necessária muita percepção. Quando você se tornar afinado,
então comece a observar a mente.
Tudo o que puder ser observado passa a ser separado
de você. Tudo o que você puder testemunhar, não é você. Você é a percepção
testemunhadora. O que foi testemunhado é o objeto; você é a
subjetividade."
Osho em O Homem que amava as gaivotas